Por Tamires Santana
A arte urbana como ferramenta para ampliação da bagagem sobre nossa própria cultura. Foi esta a conclusão tirada ao deparar com a mensagem gravada em um muro da Vila Madalena (SP): "Você conhece Banksy mas não conhece Esperintirina". E a carapuça serviu. Pois é, quem é Espertirina?
Normal caso associe a nomes de remédios, aspirina ou uma forma frustrada em escrever "espertinha". Não, nada disto, na verdade, é muito mais. Espertirina Martins (grafia correta) não é encontrada facilmente nos enlatados e superficiais livros de Histórias distribuídos nas escolas públicas e não está registrada no Dicionário Mulheres do Brasil (referência de pesquisa em certas situações), o que é uma pena.
No início do século XX, mais precisamente nos anos de 1917, o país foi tomado por um levante de greves e protestos que reivindicavam melhores condições trabalhistas e itens básicos para a sobrevivência, como a diminuição do valor dos preços dos alimentos, água, bonde e aluguéis e, sobretudo, extinguir a exploração da mão de obra infantil e dar direitos que cabíveis à realidade da mulher operária. A vida urbana estava completamente tomada por greves e conflitos entre capitalistas e operários. E, em uma destas manifestações, um operário de Porto Alegre veio a falecer.
Organizado o enterro da vítima por colegas de trabalho, também como forma de protesto, os operários, entre homens, mulheres, crianças e idosos, acompanharam o enterro em procissão paralelamente, seguia a brigada militar numa tentativa de conter as manifestações e reprimir o caso.
Chegado o momento do confronto eis que a protagonista, até pouco tempo atrás desconhecida, atuou mostrando o poder feminino de forma criativa. Vestida de noiva e carregando um buquê a militante capixaba de nome inusitado e originária de família anarquista se aproximou das tropas e jogou um buquê de flores que explodiu (um artefato explosivo estava escondido), matando metade dos militares e assustando os cavalos. Conhecida como "A Batalha da Várzea", os operários saíram na vantagem, e a greve dos Braços Cruzados teve a sua contribuição para a conquistas de direitos como a jornada de trabalho de oito horas, o fim do trabalho infantil, licença médica, indenização no caso de acidente de trabalho, licença maternidade entre outros direitos hoje comuns nos contratos de trabalhos.
Espertirina Martins (1902-1942) não é uma das figuras mais bem (re)conhecidas, mas sua coragem e ousadia no processo da luta pelos direitos trabalhistas tem suma importância para a sua época e para os atuais frutos colhidos. Renegada pelo ensino, mas jamais apagada da história.
Um "viva" ao artista e sua obra, capazes de colocar à tona o que nos foi negado.
Tamires Santana é jornalista e designer gráfico, além de militante em prol dos movimentos culturais na cidade de Francisco Morato. Escreve para a AODC Notícias sobre cultura, quinzenalmente, sempre às terças-feiras. Aprecie textos melancólicos, insensatos, apaixonados e quase nunca jornalísticos no blog O Filho é Meu.