29/08/2015

A Filosofia na Alcova de Os Satyros

Por Danilo Moreira


A efervescência da Praça Roosevelt às 23h de uma sexta-feira me trouxe uma sensação deliciosa. Não apenas pela galera descolada nos barzinhos e calçadas da região, mas a quantidade de teatros ao redor. Quando soube que ali ficam as instalações de Os Satyros, grupo de teatro nascido no começo dos anos 1990 e famoso pelas peças provocantes, decidi matar a minha curiosidade e fui com um amigo assistir a peça Filosofia na Alcova, inspirado no livro homônimo do aristocrata e escritor francês Marques de Sade (1740-1814), conhecido por escandalizar a sociedade francesa do século XVIII com sua mentalidade libertina. É a terceira vez que o grupo encena esta peça, e a adaptação foi feita por Rodolfo Garcia Vásquez, considerado um dos melhores diretores brasileiros do teatro contemporâneo.

O palco traz aspectos da França do século XVIII, período em que se desenrola a história, que aborda a educação da jovem Eugénie, recém saída de um convento, interpretada por Bel Friósi. O cínico Domancé (Henrique Mello) e a devassa madame de Saint Ange (Stefhane Souza) ficam responsáveis por educá-la por meio da filosofia libertina, com atividades teóricas e práticas de iniciação sexual, pois, acreditam que somente desta forma é possível o homem descobrir a plena liberdade e romper com os restos de moralidade e religiosidade que atrapalham sua aprendizagem e essência. A mãe de Eugénie (interpretada por Suzana Muniz), típica “mãe de família” carregada de dogmas morais e religiosos, vai ao palácio buscar a filha, dando início a um confronto sobre o que é a libertinagem e dilemas morais da sociedade.

Para quem se deixa levar por aparências, incomoda-se com beijo gay em novela ou vê ameaças à integridade da família até em comercial de perfumes, recomendo passar longe desta peça, a menos que aceite o desafio de abrir as pernas da sua mente e aceitar ser penetrado por algumas verdades, ou pelo menos despertado a refletir sobre elas. A peça abre de forma inteligente as entranhas da sociedade e expõe o ser humano de forma crua, sem pudor, alfinetando as hipocrisias morais que contaminam as instituições como a família, o Estado e também as religiões. As cenas da mãe da jovem, sentada em uma cadeira no alto do palco, representam o manto moral que muitas pessoas vestem para transmitir uma imagem recatada às outras, nos fazendo lembrar de tantos tipos que conhecemos pelo mundo afora, carregados de preconceitos e que vivem preocupados com o julgamento alheio. Já no chão do palco, vemos um espetáculo que combina perversidades sexuais, liberação de desejos e críticas ferozes aos vigilantes dos desejos alheios de uma forma crua, áspera, com uma ferocidade animalesca, mas belíssima.



Os atores mostram muita intimidade entre si e desenvoltura em cena, sem pudores e papas na língua – ou no corpo, como o caso do ator Hugo Godinho que, sem falas, faz diversos jogos corporais em cena e impressiona pela resistência física ao permanecer por tantos minutos estático em posições impressionantes. Outro destaque é o mordomo interpretado pela renomada atriz de origem cubana, Phedra Córdoba, capaz de ser elegante e pervertido em uma mesma cena. Felipe Moretti também integra o elenco como um dos libertinos do palácio.

“A Filosofia na Alcova” faz parte da Tetralogia Libertina, uma série de peças baseadas na obra de Sade e que conta com a produção inédita de “Justine” e remontagens de “120 Dias de Sodoma” e “Juliette”, também já produzidas pelos Satyros. Ainda pretendo assistir às outras, mas de antemão fica a minha recomendação para ver ao menos esta. A peça é um soco bem dado na cara de uma sociedade com tantos dedos que apontam, julgam, mas agem de forma hipócrita. As personagens tiram palavras de nossa boca, berram aquilo que às vezes temos vontade de falar até em casa, utilizam gestos, expressões e metáforas visuais que podem até chocar de início. Mas com o tempo, aquela atmosfera tão lasciva, inflamada e destrutiva nos faz pensar na mediocridade que a sociedade ainda vive, mesmo quase 300 anos depois.

Se você curtiu a ideia da peça, então corra para a Estação Satyros, pois ela está em cartaz até dia 1º de novembro, às sextas-feiras, a partir das 0h e aos domingos às 19h00. Os ingressos custam R$40 (inteira), ou R$ 20 (meia entrada). Não é recomendada para menores de 18 anos. Informações e reservas podem ser obtidas pelos telefones (11) 3258-6345 ou no (11) 3231-1954.
A Estação Satyros fica na Praça Roosevelt, 134 – Consolação.

Aproveite!
Conheça mais sobre Os Satyros e suas peças em cartaz clicando em: http://www.satyros.com.br/

Danilo Moreira é jornalista e escritor. Além de gostar de observar e delirar sobre as entrelinhas do cotidiano, atua no jornalismo empresarial e também produz conteúdos voltados à Criatividade. Trabalhou no teatro por três anos com atuação e criação de roteiros. Escreve mensalmente para o AODC Notícias.

Fontes de apoio: http://goo.gl/nlGU00
http://goo.gl/cySOH9

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