Por Armando Ribeiro
Eco era uma bela ninfa dos bosques e das fontes. Sabia de tudo o que se
passava nos bastidores do Olimpo; tagarela, era muito fofoqueira e, em qualquer
debate, buscava dar sempre a última palavra! A deusa do Amor e da beleza,
Afrodite se deleitava com toda futilidade dos mexericos relatados por Eco.
Certo dia, Eco testemunha Zeus, o soberano-poderoso do Olimpo ir ao encalço
de mais uma conquista. Logo mais adiante, Eco se depara com a deusa Hera à
procura do marido. Esperta, Eco diz a Hera que Zeus acabara de passar,
procurando por ela e que seguiu pela direita. Hera fica entre envaidecida e
desconfiada por essa inusitada atitude de Zeus.
http://www.passeiweb.com/saiba_mais/voce_sabia/narcisismo |
Não demora muito e a deusa Hera surge novamente para falar a Eco que não
encontrou o marido. Ao avistar o belíssimo anel no dedo da ninfa, compreende o
ardil e a penaliza dizendo que, à partir de então Eco deixará de ser uma
fofoqueira mentirosa! Faz com que a pobre Eco perca a voz e passe somente a
repetir as últimas palavras de tudo o que ouve. De tanto se imiscuir na vida
alheia, Eco não tem mais opinião própria.
Narciso, cuja palavra é derivada de nárke (entorpecimento, torpor, daí os
narcóticos), era filho da ninfa azul Liríope e do Deus-Rio Cefiso.
O menino era tão belo, mas tão belo que a mãe ficou deveras preocupada com
seu futuro. Nessa cultura, uma beleza fora do comum sempre assustava porque era
provável que isso arrastasse o mortal para a hýbris, a desmesura, a falta de
medida, fazendo com que ultrapassasse o métron (a justa-medida) tão cara aos
antigos gregos. Embora a beleza fosse outorgada pelos deuses, Narciso era mais
belo até que os Imortais.
A mãe de Narciso, continuamente preocupada com o destino de um filho tão
belo, foi consultar o vidente Tirésias a fim de saber quantos anos viveria o
menino, e o mântico lhe disse: “Narciso viverá até uma idade muito avançada,
desde que nunca veja a si mesmo”. A mãe não compreendeu muito bem a profecia,
mas tranquilizou-se.
Qualquer pessoa poderia, com razão, apaixonar-se por Narciso. Quando ele mal
chegou aos 16 anos, já deixara para trás uma trilha de corações partidos de
ambos os sexos. Era desejado pela Grécia inteira! Por conta disso, tinha um
orgulho obstinado de sua própria beleza, pois acreditava que não havia ninguém à
sua altura.
Certo dia a ninfa dos bosques, Eco avistou Narciso e apaixonou-se
perdidamente por ele. Quando Narciso saiu para caçar cervos com seus amigos, Eco
se escondeu e o seguiu. Estava desesperada para falar com ele, mas a punição da
deusa Hera não lhe permitia ser a primeira a falar, e tudo quanto podia fazer
era repetir exatamente as últimas palavras que ouvia.
Narciso, percebendo a presença de alguém gritou: “Há alguém aqui?”Aqui! Eco
respondeu.
Essa voz surpreendeu Narciso, que não avistava ninguém.
Então ele pediu: “Venha!”
Venha! Repetiu Eco.
“Por que você me evita?” Gritou Narciso.
Evita? “Vamos ficar juntos aqui!” Apelou o formoso rapaz.
Aqui! Disse Eco ao sair de seu esconderijo, correndo em direção a
Narciso.
Mas ele era frio, insensível e a repeliu empurrando-a violentamente:
“Morrerei antes que você se deite comigo!”, gritou ele, fugindo dela. Comigo...,
suplicou Eco.
Narciso se fora e ela, envergonhada pela rejeição, passou a viver nas
cavernas e entre os rochedos nas montanhas, sofrendo pela indiferença do rapaz.
Motivada pela desilusão, começou a definhar. O desgosto por um amor não
correspondido pode mesmo fazer com que o apaixonado deixe de se alimentar. Eco,
frustrada, comete o vagaroso suicídio anoréxico, até que só resta um fio de sua
melancólica voz.
Narciso era arrogante e perverso, sem compaixão pelos que por ele se
apaixonavam. Um dia enviou uma espada ao jovem Amantís, seu pretendente mais
insistente. O rapaz se matou na soleira da porta de Narciso, conclamando aos
deuses que vingassem sua morte, fazendo com que Narciso conhecesse a dor do amor
não correspondido.
Numa das versões, a deusa Ártemis ouviu e decidiu atender o rogo. Noutras foi
a deusa Némesis (a justiça distributiva e por isso mesmo, vingadora das
injustiças). Há ainda autores que afirmam que quem o puniu foi a deusa do Amor e
da Beleza, Afrodite, que nutria afeição por Eco. O fato é que Narciso foi
condenado a amar um amor impossível!
Em Donacon, na Téspia, Narciso chegou a um lago claro, límpido como prata,
águas essas que jamais foram tocadas por pastores ou rebanhos; rodeada de uma
relva sempre verde, à sombra das árvores e protegida do ardor do sol. Seduzido
pela beleza de tão aprazível lugar, Narciso, fatigado pela caça e pelo calor,
foi ali repousar. Exausto, debruçou-se na grama da margem para matar sua sede e,
deslumbrado pela imagem que viu, ficou paralisado: apaixonou-se por si mesmo!
Que angústia! Engano fatal, Narciso mergulha no lago e desaparece sob as
águas.
Diz o mito que, no lugar onde ele mergulhou, brotou uma linda flor que
inclina suas pétalas para contemplar-se na água. Deram-lhe o nome de
Narciso.
Este mito ilustra bem o risco do narcisismo, simbolizado pela vaidade, pelo
solipsismo, que significa considerar exclusivamente o “eu” como única
realidade.
Denominamos de “narcisistas” as pessoas que, egoisticamente, só pensam à
partir de si mesmas, desprezando os sentimentos dos outros. A imagem refletida
nas límpidas (ou diríamos turvas?) águas de nossa imaginação, não possui
equivalência no mundo real. Imaturo, o narcisista vê “o Outro” com indiferença e
desdém, tornado-se impossibilitado de penetrar no mundo alheio. Anseia por
aplausos, subserviência e bajulação.
Há um grau razoável de amor-próprio saudável e até mesmo necessário para que
se equilibre a percepção de nossas necessidades em relação às de outrem.
Mas em desmedida, a auto-suficiência torna o narcisista incapaz de amar outra
pessoa.
Quanto a Eco, ela continua respondendo a todos que a chamam e conserva, até
hoje, seu costume de dizer sempre a última palavra!
...palavra!
Armando Ribeiro, Estudante 3º ano curso de Direito.Trabalha com Direito Público e é apaixonado por Mitologias, especialmente; Grecoromana!
Gosto muito de mitologia grega e adorei o texto. Muito bom!
ResponderExcluir