29/04/2016

Interno ou externo - Stanislavski e Strasberg

Por Mariana Rocos

Abrem-se as cortinas. Um rapaz na primeira fila se arruma para assistir ao espetáculo, todo atento. Vemos, em cena, dois atores, um de cada lado do palco. Um deles se mostra apaixonado, o outro, ranzinza. Os elementos que nos mostram que ambos estão no estado de espírito antes aqui descrito são: gestos grandes, exageros durante a fala e durante a expressão do pensamento. O rapaz não consegue entender porque eles estão agindo daquela maneira, parece muito... distante da sua realidade. Eles tacam-se no chão, ajoelham-se de modo nada natural, declamam poesias com figuras de linguagem nada atuais... O que vemos nada mais é que um quadro, não dois seres humanos com o sentimento de amor e raiva, posto que, na vida, não agiríamos de tal forma, com tais figuras de linguagem e rigor gramatical. Em suma, não vemos a vida representada na arte e, portanto, não conseguimos nos identificar com a situação. O rapaz da primeira fila gentilmente cai no sono...

Creio eu que essas características, entre tantas outras, devem ter incomodado Constantin Stanislavski (1863-1938) quando da ideia de revolucionar a forma de fazer teatro. O que o incomodava era essa mecânica do fazer teatral que não mostrava o ator identificando-se com o personagem e, assim sendo, distante do realismo que ele acreditava que os atores deveriam passar. Hoje em dia entendemos bem o processo que fazemos para a construção de um personagem: devemos questionar de onde ele veio, onde ele está e para onde ele vai e, usando da lógica, podemos traçar seu perfil psicológico para que, segundo nossas ações no palco, possamos mostrar aquilo que o personagem sente e vive dentro de si. Tudo exposto ao público, vindo de um processo interno e externo do ator. 

O método de Stanislavski, bastante difundido, porém pouco compreendido realmente, pretendia que o ator fosse bastante criativo em ambos os processos. Dessa forma, o ator deveria pensar em como o seu personagem se porta, anda, fala, expressa suas ideias ao mundo, entre outros fatores que traçam sua personalidade. Ele rompe com o fato de que o público se sentia afastado daqueles personagens por não se identificar com eles, por não ver realismo naquilo.

Particularmente, ainda tenho muito o que (re)aprender sobre Stanislavski, porém gostaria de propor um exercício àqueles como eu, atores, que bebemos, mesmo que empiricamente, desse método tão conhecido: sente-se no chão e perceba como você se senta. Por que você se senta dessa forma? O que em sua história de vida te levou a se sentar daquela maneira? Foi fruto da observação de como as pessoas se sentavam? Seus pais te ensinaram a se sentar assim? 
Observe sua postura. Por que você se porta dessa maneira? O que significa para você ter as costas eretas? Orgulho? Auto-estima? De onde vêm esses significados? Você aprendeu a se portar dessa forma com quem, seus pais? Quais situações no seu dia a dia fazem você se portar dessa maneira?

Observando esses questionamentos, temos dois fundamentos importantes, um de Stanislavski e um de Lee Strasberg, o "método das ações físicas" e a "memória emotiva", respectivamente. O primeiro diz que o ator não deve organizar seu personagem de acordo com as emoções pois elas independem da sua vontade. Trata-se da criação de um conjunto de ações físicas que levariam à emoção do personagem. Lee Strasberg foi exposto à técnica de Stanislavski e desenvolveu o método da memória emotiva, muito parecido com o do russo, porém com a diferença de que este faz com que o ator use de seu repertório emocional. A crítica de Stanislavski a Strasberg é que, após um longo tempo "revivendo" a mesma memória, ela não causaria a mesma emoção no ator. Por isso a criatividade se faz importante: é entendendo os processos internos do personagem que podemos agir, atuar. O conjunto de ações físicas levaria à emoção, e, aliado à memória emotiva do ator, formam o repertório para a criação do personagem.

Agora, gostaria de propor outro exercício. Pense num conjunto de ações que, segundo o que você imagina, demonstrariam amor. Quais gestos de braço, ombros; quais movimentos de pernas, de lábios ou sobrancelhas demonstrariam este sentimento? O que te causaria amor se você fosse esse personagem? Por quê? De onde vem um gesto assim para demonstrar esse sentimento?
Como podem perceber, é difícil discernir exatamente o método de Stanislavski e o de Strasberg, porém vale o exercício e o auto-conhecimento. Além disso, a leitura de trabalhos sobre esse método se faz importante. Talvez se aqueles atores da peça tivessem entendido esses conceitos, o rapaz na primeria fila não teria adormecido...

Mariana Rocos é professora de inglês e segue uma linha de pensamento com um quê anarquista de formação pessoal, estudando por sua própria conta diversos assuntos, como feminismo, paganismo e teatro. Sua experiência com este último data de 2008, em sua cidade natal, Guararapes, no interior de São Paulo. Veio para a capital em busca de aprimorar seus conhecimentos. Escreve para o AODC Notícias mensalmente, sempre às sextas-feiras.

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