Por Débora Francisco
Você se lembra daquelas
aulas de língua portuguesa sobre figuras de linguagem? Se sua resposta foi sim,
provavelmente, você se lembrará do que chamamos de sinestesia.
Para os
esquecidos de plantão, vai aí um refresco para a memória. Expressões como
“grito áspero” e “voz escura” exemplificam o que é a utilização da sinestesia
como figura de linguagem, mais especificamente, figura da palavra. Este recurso
está muito presente na poesia simbolista da nossa literatura. Autores
representantes desse período literário como Cruz e Souza, Alphonsus de
Guimaraens, e de outros períodos, como Mário de Andrade e Casimiro de Abreu, usaram
e abusaram da sinestesia em suas obras. Veja alguns exemplos:
“As falas
sentidas, que os olhos falavam
Não quero, não posso, não devo contar”. (Casimiro de Abreu)
“Indefiníveis
músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do sol que a Dor da Luz
resume...” (Cruz e Souza)
Ao observarmos
os recortes desses poemas, percebemos a mistura, a combinação ou a transferência
de sentidos, e essa é a definição pura e simples do termo em pauta. Um perfume
evocando uma cor (olfato + visão) ou um som evocando uma imagem (audição +
visão), por exemplo, é o cruzamento de sentidos que traz uma beleza toda
especial à arte da palavra.
A sinestesia
como figura de linguagem é um assunto que faz parte dos estudos da minha área de
formação (Letras) e achei melhor começar falando do que eu conheço bem, mas
decidi tratar sobre esse tema após ler um artigo publicado pelo periódico britânico
“The Guardian” que aborda a
sinestesia dentro dos campos da psicologia e da neurociência. Nesse contexto, ela
assume um caráter ainda mais interessante, pois passa a ser vivida de fato por
indivíduos chamados de sinestetas.
Sinestetas são
pessoas capazes de relacionar, por exemplo, cores a letras e números, cheiros e
gostos à música ou o toque à visão. Sabe-se que pelo menos 4,4% dos adultos
possui essa habilidade.
Alguns exemplos
famosos desses seres privilegiados pela natureza são:
Richard
Feynman (1918-1988). O físico
americano, ganhador do Nobel de 1965, dizia ver letras e números coloridos.
Enquanto dava aulas, ele via letras xis marrom-escuras flutuando no ar.
Wassily
Kandinsky (1866-1944). Tudo indica
que o pintor russo misturava quatro sentidos: visão, audição, olfato e tato.
Ele chegava até a cantar os tons de cores que pretendia usar na paleta.
Eddie van
Halen (1955-presente). O
guitarrista americano, fundador da banda Van Halen, usou o dom de ver notas
musicais coloridas para criar a "nota marrom", usada em discos da
banda.
Vladimir
Nabokov (1899-1977). Quando
criança, o autor russo reclamava que as cores de seu alfabeto de madeira
estavam erradas. Criou vários personagens sinestetas.
Pharrel
Williams (1973-presente). Em
entrevista para o programa Nightline
(do canal americano ABC), o produtor e artista do hip-hop disse que “sempre visualizou o que ouvia, era como ouvir
cores estranhas”.
Stevie
Wonder (1950-presente). O
cantor/compositor/produtor tem a habilidade de associar sons a cores.
Esses são apenas
alguns exemplos dentre muitos outros os quais tomei conhecimento. É
interessante observar que grande parte deles é formada por artistas. Já que sou
uma amante das artes, fico ainda mais fascinada em saber como é que a coisa
toda funciona. Algumas das perguntas que pipocaram em minha mente enquanto eu tentava
entender sobre o assunto foram: O que faz alguém ser um sinesteta? O que
acontece no cérebro dessas pessoas? Existem testes para saber se eu sou um
sinesteta?
O que faz alguém
ser um sinesteta?
Estudos recentes
realizados pela equipe do Professor de Psicopatologia Desenvolvimental da
Universidade de Cambridge, Simon Baron-Cohen, afirmaram que a sinestesia é uma
condição transmitida geneticamente.
O que acontece
no cérebro dessas pessoas?
As informações
captadas através das cores são analisadas no lóbulo temporal cerebral, que é
uma área muito próxima à área do cérebro que lida com a forma física dos
números; ambas as áreas estão localizadas no giro fusiforme. Acredita-se que
uma anormalidade genética faz com que as terminações neurológicas dessas duas
áreas se “cruzem”. Tomografias cerebrais realizadas em sinestetas que veem números
com cores confirma esse dado. Quando a maioria das pessoas veem números pretos
em um fundo branco, somente a área de seu cérebro que lida com números é
ativada. No entanto, quando pessoas com sinestesia olham para a mesma imagem, a
área de seu cérebro que lida com cores também é ativada.
Existem testes
para saber se eu sou um sinesteta?
Existem alguns.
Ramachandran, um famoso neurologista, e seu colega Ed Hubbard criaram um teste
para identificar sinestetas que enxergam números com cores.
Olhe para esta
imagem:
A maioria das
pessoas enxerga um monte de números 5. Rapidamente, elas percebem que alguns
estão invertidos e são na realidade vários números 2. Um sinesteta, por outro
lado, imediatamente enxerga um triângulo formado por números 2, já que 2 e 5 ficam
distintos em cores diferentes.
E então? Você
faz parte dos 4,4%?
Se você gostou e
se interessou pelo assunto, veja este vídeo do TED Talks onde o sinesteta Neil
Harbisson conta sobre sua habilidade de “ouvir cores” e como ele usa a
tecnologia para expandir e explorar sua percepção.(no recurso
“Subtitles”, acione a legenda em português do Brasil).
Referências
Imagens:
Composição VIII - Wassily Kandinsky
1923 (140 Kb); Óleo sobre tela, 140 x 201 cm (55 1/8 x 79 1/8 pol); Museu Solomon R. Guggenheim, Nova York (http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/kandinsky/)
1923 (140 Kb); Óleo sobre tela, 140 x 201 cm (55 1/8 x 79 1/8 pol); Museu Solomon R. Guggenheim, Nova York (http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/kandinsky/)
Débora Francisco é tradutora, intérprete,
professora de inglês e português. É estudante de Letras e ingressou na Oficina
Teatral do grupo A Ordem do Caos em 2014.
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