29/05/2015

Passos desconhecidos

Por Danilo Moreira


Naquele dia novamente tivemos greve de ônibus no final da tarde, o que deixou milhares de pessoas sem ter como voltar para casa. Tive que sair do terminal e seguir por uma longa rua escura, que de um lado tinha casas pichadas e, do outro, na época, antigas moradias para maquinistas da linha de trem que servia a região, mas devido às obras de expansão já estavam desabitadas para serem demolidas. A maior parte das construções era ocupada por usuários de drogas e já não tinham mais portas, janelas e até telhados, apenas mato alto. Histórias de roubos naquela rua já eram conhecidas pelos moradores. Já tinha passado por lá no dia anterior com várias pessoas e carros parados, mas naquele momento tudo estava deserto. Não pensei muito, queria chegar logo em casa e fui por ali mesmo. 

Bem no começo, percebi que um homem caminhava atrás de mim. Usava boné, blusa azul marinho e tinha um jeito suspeito. Cismado, percorri o trecho de subida e, ao chegar no começo da longa decida, avistei um outro rapaz, de jaqueta em tactel vermelha, que caminhava mais devagar. Cheguei a ultrapassá-lo, mas não quis me distanciar. O de boné permaneceu atrás dele. E ficamos nós três caminhando praticamente no mesmo ritmo naquela longa rua mal iluminada. Segundos depois, o cara da blusa azul marinho é que passou por nós dois. Ao perceber que a distância entre mim e ele aumentava, desacelerou. Às vezes, um olhava disfarçadamente para os outros dois, em um misto de desconfiança, apreensão e, ao mesmo tempo, uma estranha sensação de segurança. Era consenso: caminhar sozinho por ali era pior. 

Após a descida iniciava-se outra subida. E ofegante, o rapaz de boné desacelerou. Eu estava mais disposto e o passei, mas mantive uma distância curta dele. O terceiro permaneceu atrás de todos, mas quando precisava, apertava os passos para não ficar tão distante. Decidi acelerar e os dois fizeram o mesmo. Andei mais devagar. O rapaz de jaqueta vermelha passou o segundo, mas permaneceu atrás de mim. Aquilo estava ficando meio engraçado... Formamos um trio de desconhecidos, que por um motivo instintivo, permanecia junto, mesmo sem dizer uma palavra. Subimos a rua, atravessamos uma esquina, subimos outra com mais matagal e escuridão ao lado, e saímos no acesso de uma grande avenida. Por conta do intenso movimento dos carros, ficamos parados por alguns minutos. Nesse momento, o de jaqueta vermelha comentou o quanto estava difícil essa vez. Eu e o de blusa azul marinho, seguindo o costume brasileiro de rir dos próprios problemas, concordamos sorrindo. 

Ameaçamos atravessar e os carros enfim pararam. Caminhamos por um gramado e saímos na avenida principal. O rapaz de jaqueta vermelha seguiu reto. Sorriu, desejou bom descanso e se despediu de nós com um olhar agradecido pela companhia involuntária. O de boné continuou caminhando comigo até a rua de casa (ele morava bem mais à frente). Batemos um papo. Ele me contou que no dia anterior, da primeira greve, saiu muito tarde do trabalho e teve que dormir dentro do terminal, pois não tinha mais como voltar para casa. Quando cheguei no meu portão, nos despedimos, ele feliz porque naquele dia iria dormir na sua casa. 

O que a gente não faz para amenizar a sensação constante de insegurança...

Danilo Moreira é jornalista e escritor. Além de gostar de observar e delirar sobre as entrelinhas do cotidiano, atua no jornalismo empresarial e produz conteúdos voltados à Criatividade. Trabalhou no teatro por três anos com atuação e criação de roteiros. Escreve toda última sexta-feira de cada mês para o AODC Notícias. 

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