04/08/2015

As entrelinhas de São Paulo

Por Danilo Moreira

Entardecer na Avenida Paulista (2014)

Cidade louca, cinza, esburacada, entupida de gente, carros, filas, pressa, problemas e insegurança. Eu no meio disso tudo tento me virar com esse relógio que nunca está do meu lado! E corro aqui para chegar ali, mas mesmo adiantado nunca dá tempo. E saco o celular espremido entre outros braços nos ferros do ônibus e tento digitar que vou me atrasar também para chegar lá. Que tipo de expectativa de vida ter em uma terra como São Paulo, conhecida por ser tão cinzenta e caótica?
Paro na catraca de uma estação de metrô. Tenho que esperar um amigo que teve problemas para chegar, pois, estava preso no trânsito por conta da forte chuva que caía. Me senti estranho. Agora meu tempo precioso estava parado em função do atraso de outro. Agora não tinha o que fazer. E meus pensamentos borbulhavam. Resolvi circular pela estação. Vi gente de todos os tipos, ritmos e pesos nas costas. E então me deparei com uma coisa bela: um muro com azulejos de cerâmica pintados com cores vivas, paisagens e tipos característicos da nossa história e cultura, como lavradores e outros tipos de trabalhadores. Vi outras pessoas parando para olhá-lo também. Saco o meu celular para registrar. Coisa linda! Em meio àquele concreto cinza, aquela obra chegava a reluzir, como se tivesse mãos convidativas. Ela foi produzida por Aldemir Martins e retrata a relação entre o campo e a cidade, prestando uma homenagem às pessoas que saíram de suas terras para ajudar a construir a capital paulista.

Mural no Metrô Tatuapé (2015)
Olhei meu álbum no celular. Já fiz outras fotos parecidas. Já brinquei com as curvas de vários prédios enquanto passava por eles. Fiz o mesmo com lugares tão comuns, mas que fotografados de ângulos curiosos formam belíssimas paisagens – alguns com a colaboração do céu, outros com os reflexos dos vidros dos prédios comerciais. Vi artistas de rua se apresentando em calçadas às vezes insalubres e hostis, mas com um público cativo e que não disfarçava o entusiasmo ao vê-los. Registrei belos pássaros acomodados em postes, coberturas de prédios abandonados e árvores cujos galhos disputam espaços com fios emaranhados. Lembrei-se dos belos quadros feitos com os objetos mais curiosos e artistas simples sentados junto a muros pichados ou descascados. Tantos talentos se desenrolam entre prédios e aglomerações apressadas. Quantas cores, curvas, objetos, vivências e obras de artes passam despercebidos por nós todos os dias?

Clássicos do rock a poucos metros de um protesto (2014)


E meu amigo chega. Volto de um transe. Saio de lá mais leve. Comento com ele sobre aquele muro. Ele também faz fotos. Fica fascinado. Ele confessa que mesmo já tendo passado várias vezes por aquele muro, nunca tinha parado para observá-lo de perto.

Neste ângulo, a torre da TV Gazeta aparece duplicada (2015)

Talvez seja isso que mais me apaixona em São Paulo: as belezas estão nas entrelinhas, fazem bem, nos ajudam a suportar essa loucura diária. Já é alguma coisa. Se não tem esse costume, experimente tentar enxergá-las.

Fotos: Acervo pessoal
Danilo Moreira é jornalista e escritor. Além de gostar de observar e delirar sobre as entrelinhas do cotidiano, atua no jornalismo empresarial e também produz conteúdos voltados à Criatividade. Trabalhou no teatro por três anos com atuação e criação de roteiros. Escreve mensalmente para o AODC Notícias.

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