02/10/2015

“Que horas ela volta?” e sua crítica social

Por Danilo Moreira


Recentemente assisti ao elogiado Que horas ela volta?, filme nacional de Anna Muylaert (É proibido fumar | 2009). O longa conta a história da pernambucana Val (Regina Casé), que deixou a filha no interior do estado para trabalhar como empregada doméstica em São Paulo, assumindo também o posto de babá de Fabinho (Michel Joelsas), filho dos patrões. Anos depois, sua filha Jéssica (Camila Márdia), lhe telefona pedindo ajuda para se hospedar na capital paulista para prestar vestibular. Val, que mora na casa dos chefes, consegue a autorização deles para receber a adolescente. Porém, a menina não segue protocolos de “filha da empregada” estabelecidos e acaba por gerar diversos conflitos.

Anna sabiamente escolheu Regina Casé para interpretar um tipo de pessoa tão conhecida na realidade do nosso país. É quase impossível não se lembrar de alguém observando os trejeitos, o cotidiano e a história de vida desta mulher. Algo que chama muita atenção no filme são as cenas em que o posicionamento da câmera na cozinha filma à distância os patrões se alimentando na sala de jantar, fazendo o público, assim como Val, sentir-se de certa maneira proibido de fazer parte daquele momento. Vemos também características de relacionamento comuns entre muitas domésticas e patrões, como a passividade ao esperar que a empregada sirva e retire tudo da mesa e o adolescente criado pela babá que a trata como mãe, entre outros elementos. E Val, conformada com sua situação, sente-se como parte deles.
Para quem não sabe, antigamente era natural que as empregadas trouxessem suas filhas “em idade de trabalhar” à casa dos patrões para ajudar também nos afazeres. Jéssica representa o rompimento dessa estrutura. A ambição em crescer na vida, a consciência do seu potencial e a recusa em seguir a mesma postura submissa da mãe dentro da casa são um retrato de uma geração mais consciente sobre todo o cenário em que vivemos, não abaixando mais a cabeça para determinadas imposições sociais elitistas. Em outras palavras, a adolescente é o tapa que o filme joga na cara de Val, da família e dos telespectadores, explicitando as diferenças sociais ainda existentes na sociedade, e que às vezes parecem sumir dos nossos olhos de tão recorrentes que são: o quartinho humilde da doméstica, as sobremesas separadas para patrões e a criadagem, o estigma de “filha da empregada” que não pode circular em determinadas áreas da casa, entre outras situações.

É bom ver Regina Casé à vontade e transmitindo tanta verdade em um papel rico, além de rever Michel Joelsas, que já tinha encantado como o protagonista de O ano em que meus pais saíram de férias (2006), agora atuando como um adolescente típico de família de classe media alta mimado e mais apegado à babá que o criou do que à mãe. Camila Márdia também impressiona ao dar um tom tímido e contido à personagem, que de repente cresce e mostra a que veio na história. Em São Paulo, o longa está em cartaz em cinemas como o Caixa Belas Artes. Além de ter sido premiado no Festival de Berlim e no Sundance Film Festival, Que horas ela volta? poderá representar o Brasil na lista de indicados ao Oscar 2016 de melhor filme estrangeiro.



Fonte: Adoro Cinema  

Danilo Moreira é jornalista e escritor. Além de gostar de observar e delirar sobre as entrelinhas do cotidiano, atua no jornalismo empresarial e também produz conteúdos voltados à Criatividade. Trabalhou no teatro por três anos com atuação e criação de roteiros. Escreve mensalmente para o AODC Notícias.

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