Por Danilo Moreira
Em passeio por Florianópolis (SC), tive a oportunidade de assistir à peça tragicômica “Uz”, do dramaturgo uruguaio Gabriel Calderón e produzida pela La Vaca Companhia de Artes Cênicas, com tradução de Esteban Campanela e direção de Renato Turnes. O espetáculo esteve em cartaz no Teatro Ademir Rosa, no Centro Integrado de Cultura (CIC) e faz parte do 22º Festival Isnard Azevedo, que levou teatro de graça a diversos bairros da cidade entre os dias 18 e 25 de outubro.
Uz é uma cidade onde vive Grace (Milena Moraes), a mais virtuosa das mulheres do local e um exemplo de fé e religiosidade. A dona de casa leva uma vida comum com seu marido carinhoso e dedicado Jack (W/Marcão), o filho “perfeito” e em idade militar Tomás (nesta apresentação, interpretado por Rafael Orsi de Melo) e a filha Doroty (Lara Matos), que vive em seu próprio mundo. Certo dia, Grace recebe de Deus ordens para matar um de seus filhos como prova de sua fé. Ela aceita a missão e passa a perseguir o seu objetivo, gerando muita confusão na cidade. Também há figuras como o pastor Maykol (Malcon Bauer), que brada dogmas conservadores mas, no fundo, é um homossexual enrustido; a vizinha Leona, beata com desejos sexuais reprimidos e o açougueiro José (Álvaro Guarnieri) e a filha Catherine (Thaís Putti), dois cidadãos de bem que também têm suas vidas influenciadas pelo desejo doentio de Grace.
A peça cutuca de forma afiada e bem humorada a alienação religiosa e a hipocrisia dos costumes na sociedade, mas sem se dirigir a uma doutrina específica. Apesar de mexer com tabus que podem chegar a ofender aos mais conservadores (ou quem tem pouco senso de humor), “Uz” é uma senhora comédia capaz de arrancar muitas gargalhadas sem perder o fio narrativo e crítico. Os atores usam e abusam de trejeitos, caretas, gestos engraçados e surtam junto à protagonista e seu secreto desejo obcecado em cumprir a missão que recebeu. Destaque para o ator WMarcão e a atriz Elianne Carpes, que fizeram muitos se contorcerem nas cadeiras de tantas gargalhadas ao explorarem a insanidade das suas personagens, além de brincarem com trejeitos, o espaço cênico e até com alguns imprevistos em cena.
“Uz” foi para mim uma grata surpresa, que equilibra sabiamente o humor e uma linguagem ácida, mostrando sem delongas a que veio. A peça segue uma das principais funções do teatro que é incomodar o espectador, levando-o a pensar, neste caso, sobre como o fanatismo pela religião influencia a sociedade e quais as consequências para todos. Outros temas como violência, sexualidade e preconceito de diversos tipos também são abordados no espetáculo. É praticamente impossível não se recordar de alguém ou uma situação que se tenha vivido por meio daquelas personagens apresentadas.
Após a peça, tive a oportunidade de sentar com os atores (muito simpáticos, inclusive) e outros espectadores no palco para um debate performático sobre os temas abordados, sob a coordenação do Professor e Doutor em Artes Cênicas Flávio Desgranges. Uz, sem dúvida, é uma pequena luz e um respiro em um momento que o conservadorismo tem ganhado força nas mídias sociais e também na esfera política.
Fotos: Cristiano Prim/Divulgação.
Danilo Moreira é jornalista e escritor. Além de gostar de observar e delirar sobre as entrelinhas do cotidiano, atua no jornalismo empresarial e também produz conteúdos voltados à Criatividade. Trabalhou no teatro por três anos com atuação e criação de roteiros. Escreve mensalmente para o AODC Notícias.
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