21/04/2016

O Corpomídia

Por Jéssica Eliana

O corpo é reflexo de histórias, crenças, valores, relações como o outro, com o mundo, é cultura na carne, tudo o que o corpo assimila e absorve se reflete em sua estrutura, "assim, corpo é vida biológica, é texto (tecido de cultura), é gerador de códigos comunicativos e ele próprio linguagem formadora de redes sociais e culturais nas quais se insere" (JÚNIOR, 1998, p.111). 

Existimos e nos relacionamos com o mundo e com as pessoas por meio do corpo, mas será que pensamos sobre o nosso corpo, sobre o corpo do outro e sobre as vestes que o cobrem? E quando falo em vestes falo metaforicamente, ou seja, o que mais nos veste além das roupas que compramos?

Tantas coisas são feitas e pensadas para o corpo e ainda assim conseguimos nos esquecer dele, de suas potencialidades e possibilidades. Alguns exploram mais, outros exploram menos, mas o questionamento que deveria ficar é "o que pode o corpo?".

As professoras Helena Katz e Christine Greiner desenvolveram o conceito de corpomídia, que compreende o corpo como uma mídia que está a todo instante recebendo, processando e trocando informações com outros corpos e com o ambiente, modificando e sendo modificado por eles por meio de trocas. Esta troca consiste num processo de interferência contaminatória, onde tudo se torna informação e registro. Portanto, não se trata apenas do âmbito intelectual, mas de todas as linguagens possíveis, até mesmo, por exemplo, a firmeza de uma cadeira que você sente ao sentar. 

É possível comparar a troca de experiência com os alimentos que comemos, em que parte ingerida é absorvida pelo organismo e a outra parte é eliminada. Assim também o corpo se alimenta das informações que recebe, renovando-se a cada alimentação. Às vezes, o novo alimento irá proporcionar e até estimular novas experiências ou, ainda, reafirmar uma anterior.

O corpomídia nada mais é do que a mídia de si mesmo, que tende a se mostrar em um ou vários momentos da vida, de forma voluntária e involuntária. São movimentos que treinamos o corpo para aprender ou que se mostram espontaneamente de acordo com experiências já vivenciadas. Uma dançarina, por exemplo, pode expressar em sua dança a leveza que percebe no mundo, assim como consegue aplicar em seu dia a dia os movimentos leves que aprendeu com o ritmo. Ainda, posso ter uma vida tranquila e não gostar de adrenalina, no entanto, em determinado momento, devo sentir a necessidade ou abandonar o marasmo para adentrar à vida "radical". O corpo não é passívo e, mesmo sendo única, sua postura é mutável, podendo alterar ou não sua estrutura (design) de acordo com o surgimento de novas informações. O que ocorre é o cruzamento de todos os dados, os já existentes e os novos, fazendo que nos reestruturemos sempre que necessário. 

O corpomidia não acredita no corpo como estrutura que comporta algo (mente, essência ou alma), mas que corpo e alma/mente são inseparáveis. Pensar o corpo é refletir sobre si e suas relações com o outro, além do próprio espaço que ocupa. É pensar nas experiências adquiridas, nas trocas recebidas e oferecidas e em suas diversas possibilidades de adaptação e reconfiguração.

O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em contato negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o Corpomídia lida, e não com a ideia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia. A mídia à qual o Corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo de contaminação. (GREINER, 2005, p.131) 

Entrevista com Helena Katz e Silvia Kiefer

Fontes
GREINER, Christine; KATZ, Helena. Visualidade e Imunização: O Inframince do Ver/Ouvir a Dança. In: Anais do II Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança. Jul. 2012. Disponível em: <http://www.helenakatz.pro.br/midia/helenakatz31343141580.pdf>.
GREINER, Christine; KATZ, Helena. Por uma teoria do corpomidia ou a questão epistemológica do corpo. s.d. Disponível em: <http://goo.gl/9E7XYb>.
BAITELLO JÚNIOR, Norval. O corpo em fuga de si mesmo. Revista do LUME, Campinas, n. 1, p. 11-15, out. 1998.


Jéssica Eliana é atriz no grupo teatral A Ordem do Caos. Formada em Publicidade e Propaganda, atua também como analista de relacionamento. Ela escreve para o AODC Notícias quinenalmente, falando sobre teatro, suas técnicas e a relação direta da arte com o corpo.

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