06/02/2013

Carnaval: da manifestação popular à banalidade

Por Tamires Santana


O que se compreende por carnaval, em inúmeras regiões do mundo, é relativo. Dos lados de cá, o mais popular é aquele formato de samba, alegorias, fantasias e, mais recentemente, futilidade e depravação. As palavras poderiam sair da boca de um crente, mas na realidade ganham as passarelas da literatura por alguém que é simplesmente apaixonada por este universo: eu.

Pra começo de conversa, saindo do eixo Rio-São Paulo-Salvador, diga-se de passagem, esta manifestação popular também é encontrada no Frevo, Ilê Ayê, desfile de blocos, bailes de salão, afoxé, trio elétrico etc. Compreendê-lo está muito além de se contentar com os enlatados transmitidos pelas grandes emissoras.

São aparentemente diferentes, quando na realidade todas as formas de manifestação tomam o mesmo objetivo: fazer a alegria do povo. Entretanto, não é tudo “oba, oba”, como as aparências sugerem. Há o lado esquecido, hoje obscuro, inalcançável ao conhecimento popular, disponível apenas àqueles que bebem desta cultura e sabem do seu real significado e, limitando-se ao carnaval das escolas de samba, da forma mundialmente conhecida, dá-se pra ter uma ideia de como as coisas não andam nada bem.

Uma escola de samba, principalmente por meio dos sambas-enredos, tinha como objetivo ser ponto de resistência dos negros, valorização da autoestima; local em que se poderia retratar sua cultura, fatos históricos não narrados pela história oficial. Também enfocaria a colaboração do negro e o índio para a formação do Brasil, retomando as raízes perdidas, cantaroladas com composições poéticas e contagiantes.

¹Em pouco mais de 20 anos, os compositores das escolas de samba, negros em sua maioria, tinham abandonado o ufanismo estéril e a apologia das elites, mergulhando em sua própria história, compreendido o valor civilizacional da África e passando a produzir um discurso combativo e, por que não dizer, político.
Incomensuravelmente, a importância do samba de enredo no incremento da autoestima da população negra, na educação do país como um todo, no aprofundamento das discussões sobre a questão racial brasileira.

Após as atividades oficiais, as escolas promoviam desfiles nos bairros durante os dias restantes reservados à festividade, agregando pra si a participação da comunidade. Nos desfiles de hoje, tudo é cronometrado, os participantes são literalmente empurrados para dentro da passarela do samba e obrigados a seguir uma coreografia, perdendo a espontaneidade dos tempos anteriores.

Sua industrialização domina o real sentido da raiz social e cultural e o que temos como eixo central: seios cada vez mais siliconados e bumbuns empinados, sem contar o extinto 'samba no pé', exibido pela estrela global bem à frente da bateria (considerada o coração da escola). E assim, o Carnaval das escolas de samba se perde em meio à banalidade e ostentação.

¹ Livro Samba de enredo história e arte, página 109; Autores: Alberto Mussa e Luiz Antonio Simas; Ano 2010, editora Civilização Brasileira.

Tamires Santana é jornalista e designer gráfico, além de militante em prol dos movimentos culturais na cidade de Francisco Morato. Ela escreve para o AODC Noticias sobre cultura, quinzenalmente, sempre às terças-feiras. Aprecie seus outros textos, melancólicos, insensatos, apaixonados e quase nunca jornalísticos em: http://ofilhoemeu.blogspot.com.br/

2 comentários:

  1. Acho que o carnaval está além do que as lentes da Globo mostram. E isso não faz o samba-enredo, essa manifestação de avenida, ser tão banal como apontado nesse post. Pelo contrário, quem já foi algum dia para um barracão de escola de samba ou realmente já parou para prestar atenção nas letras - obviamente não falam mais só dos negros até pq o contexto agora é outro - elas são realmente boas. Concordo plenamente dessa visão em relação ao carnaval se ela foi feita a partir de observações assistindo a televisão, então a critica se destina especificamente a televisão. Mas ao carnaval em si não é bem assim.

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  2. Pra quem como eu que ja passou dos cinquenta anos e teve a felicidade de viver e presenciar os carnavais de rua dos cordões,blocos e escolas de sambas, sem falarmos nos bailes de salão.O que dizem que é carnaval de hoje principalmente focando as escolas de samba que foi meu berço de criação é brincadeira. O que vemos nas grandes escolas de sambas é simplismente sofrível,enredos plasticamente bem elaborados para a proposta que hoje exige que é mega expetáculo pra turista ver e ser vendável pra determinada emisora de tv faturar muito com patrocínio e outras coisas mais.Mas o Tema Enredo aonde foi parar,os Sambas Enredos bem elaborados com letras e melodias poéticas não se tem mais,as baterias das escolas aonde tinham suas marcas registradas e como falavamos tinha uma pegada que era só dela, acabou.Não se falam mais em desfiles dos bairros que eram tradições, pois nem todos podiam ir até a passarela principal assistir, então se levava as escolas para os bairros para que todos pudessem assistir e muitas vezes os desfiles nos bairros superavam as apresentações do desfile oficial, pois se desfilavam sem o compromisso da disputa de títulos e a descontração era muito maior. Pra quem não precensiou isso, não tem nem noção do que estou tentando transmitir, pois hoje a grande maioria dos sambistas preferem viajar no carnaval ou ficar em casa vendo televisão.Há! As escolas de sambas, esta semana, um grande canal de televisão estava fazendo chamadas em seus jornais regionais dizendo que ainda tem muitas fantasias pra foliões de última hora desfilar,no meu tempo, a quase totalidade das pessoas que desfilavam nas escolas de sambas era da própria comunidade coisa que não existe mais nas agremiações.Saudações Fraternais.AXÉ.

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